
AS ARTESANIAS E TECNOLOGIAS DE ANTONIO CAÇÃO
Author(s) -
José Guilherme dos Santos Fernandes,
Rondinell Aquino Palha
Publication year - 2020
Publication title -
anthropológicas visual
Language(s) - Portuguese
Resource type - Journals
ISSN - 2526-3781
DOI - 10.51359/2526-3781.2020.244427
Subject(s) - art , humanities
Na cidade de São Caetano de Odivelas, na microrregião do Salgado, no Estado do Pará, na Amazônia brasileira, desde os anos 30 do século XX, estabeleceu-se uma manifestação de cultura popular com singular marca, mesmo que oriunda do secular boi-bumbá do nordeste brasileiro. Trata-se do boi de máscaras, nome genérico para um sem número de grupos de bumbás que se espalham pela cidade e pelos interiores afora do município. Originariamente essa manifestação surge como folguedo joanino, adquirindo o povo odivelense protagonismo reinante na produção e na execução da festa dos bois mascarados. Contrariamente ao tradicional Boi-Bumbá ou o Bumba-meu-Boi, o Boi de Máscaras não apresenta a “comédia”, ou seja, a narrativa de Mãe Catirina e Pai Francisco, sendo que o motivo principal da manifestação é a folia de rua em que os brincantes — cabeçudo, pierrô, buchudo — dançam em torno do Boi, ao som de sambas e marchas tocadas por uma orquestra de metais e percussão. E o brincante do boi de máscaras, ao tomar para si o protagonismo festivo, marca sua assinatura na manifestação mediante as três figuras mais centrais: o próprio boi, o cabeçudo e o pierrô; ou pirrô, ou pirru, nas variantes orais. “Não se sabe ao certo a origem de sua designação, por mais que guarde semelhança, na indumentária extravagante, com a clássica figura da comédia italiana: largo macacão de cetim, com listras coloridas, além de pano de costas que, em geral, é uma toalha estampada cobrindo a cabeça e se espraiando pelos ombros; um capacete em estilo mourisco, feito de talas de madeira, papel jornal e celofane; por fim, a clássica máscara com um enorme nariz” (FERNANDES, 2007, p.72). E sobre a construção do capacete e da máscara do pierrô trata este documentário, pautando-se essa autoria em Antonio Monteiro da Silva, 40 anos, mais conhecido como Cação, um dos mais ativos fazedores de capacetes e máscaras da festa. Em sua trajetória de brincante e fazedor da brincadeira, podemos observar aquilo que marca a artesania da cultura popular; primeiro o processo de aprendizagem, que envolve o repasse do saber entre o mestre e o aprendiz; em nosso caso, entre o Professor Lúcio e Cação, em lições que envolvem o corpo e a mão, em tentativas que se moldam ao que se dispõe e ao que se pode aprender vendo: “eu não conseguia fazer de cipó (...), o primeiro capacete que eu fiz era tudo doido”, lembra Cação. Mas nessa artesania da tradição odivelense a dificuldade abre espaço para a inventiva, reconhecida pelo Professor. E aqui se consolida o segundo aspecto que marca essa artesania, a tecnologia que surge da criatividade do aprendiz, que encontra soluções para suas dificuldades. Mas algo se mantem em uma tradição do popular, que é a medida de tudo ser o corpo, o sentir-fazer: e a tesoura desliza abrindo olhos e bocas da máscara, ou as mãos vão configurando as talas do capacete e amarrando a estrutura mourisca sendo guiadas pelo olhar que é o mediador de memória sensorial que recorda o tempo primordial do aprendizado. Daí o mestre é reconhecido em sua fala ao trazer as lembranças do finado Lúcio, um dos primeiros fazedores de máscaras da cidade. Pois as práticas culturais populares compõem a dinâmica cultural da sociedade como um todo, podendo ser um campo privilegiado para percebermos as formas de controle, adaptação e integração entre os indivíduos fazedores dessas práticas, oferecendo também formas de compreender a heterogeneidade, a ambiguidade, a contradição e a resistência na relação entre o novo e o antigo (AYALA e AYALA, 1995). O que se confirma ao final quando Cação, depois de ter aprendido e transformado o saber advindo de Lúcio, agora se dedica ao repasse para o filho, que “já pegou um dom de fazer capacete”. E que é contraditório ao repreender o filho por não fazer um capacete igual ao seu: “Conserta que isso aqui tá errado”, repreende Cação, mesmo que assuma, em princípio, que para ter sua própria tecnologia tenha superado o mestre. Seria a constante tensão entre tradição e modernidade? Por ora, interessa-nos pensar que o fazedor de artesanias não é homogêneo e as temporalidades marcam as diversas formas desse fazer. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAYALA, Marcos, AYALA, Maria Ignez Novais. Cultura popular no Brasil. São Paulo: Ática, 1995.FERNANDES, José Guilherme dos Santos. O boi de máscaras; festa, trabalho e memória na cultura popular do boi Tinga de São Caetano de Odivelas, Pa. Belém: EDUFPA, 2007. Produção/Texto: José Guilherme dos Santos Fernandes e Rondinell Aquino PalhaImagens/Edição: Rondinell Aquino PalhaElenco: Antonio "Cação"Música: "Boi de Fama"(autor: Mestre Bené)Orquestra Show do Boi FaceiroProjeto realizado com o ApoioPIBIC/CNPQUFPACOLINSNUSCBoi FaceiroDuração: 14'06"Local: São Caetano de Odivelas/Pará/BR