
O incesto na Literatura e na História
Author(s) -
Alzira Lobo de Arruda Campos
Publication year - 2016
Publication title -
revista de humanidades
Language(s) - Portuguese
Resource type - Journals
eISSN - 2318-0714
pISSN - 1414-042X
DOI - 10.5020/23180714.2016.31.1.252-272
Subject(s) - humanities , art
O estudo do incesto presente nas narrativas de Romanceiro português permite a compreensão da identidade feminina do passado, fragilizada diante de poderes que pertenciam ao homem. As personagens femininas dos romances, envolvidas em processos de sedução pelo pai, reaparecem, em linguagem mais crua, em processos eclesiásticos ocorridos no mundo rural brasileiro, colocando a grande questão das relações entre Literatura e História, ficção e realidade social. Do ponto de vista metodológico, trabalha-se com a interdisciplinaridade, vendo os romances como documentos que permitem, como os contos populares, reconstituir visões de mundo e o concreto social de pessoas que passaram incógnitas pela história, sem rostos e sem nomes, por pertencerem a classes subalternas. Essas fontes são cruzadas com processos sobre incestos existentes em arquivos eclesiásticos do Brasil, a fim de permitir um estudo comparativo entre ambas as categorias documentais. Conceitos provenientes da História, Antropologia e Literatura compõem um quadro teórico que embasa uma reflexão alinhada às mentalidades, na estrutura de longa duração do domínio imperial da mulher pelo homem. Os resultados alcançados contribuem para a compreensão da mulher numa sociedade patriarcal, que a identificava como presa sexual do homem ou como moeda de troca. A conclusão principal aponta para a ideologia de gênero como um viés simbólico que organizava as pessoas e as coisas na sociedade luso-brasileira tradicional, entrecruzando os poderes seculares com os eclesiásticos, para a formulação de modelos comportamentais, mantidos à força de sermões e atos punitivos na ordem falocrática do passado. Os atentados às normas estipuladas por essa sociedade podem ser considerados testemunhos dos comportamentos prescritos, como o negativo das regras, vistas pelos seus avessos. Os incestos, uma das passagens mais dramáticas da história social, compõem uma estrutura de longa duração, que se apresenta ainda na atualidade.