A APROPRIAÇÃO CRISTÃ DOS MITOS CLÁSSICOS

Partindo de considerações de Quintiliano (inst. 8,3,1) sobre a natureza retórica das figuras de ornamento e a sua relação com a sua utilidade, o presente texto discute os usos de estruturas comparativas e recursos retóricos fronteiriços em um mitógrafo tardo-antigo que viveu entre meados do século V e meados do século VI, chamado Fábio Plancíade Fulgêncio, especialmente em sua obra Mythologiarum libri tres (ou Mythologiae), que é uma espécie de compilação de mitos clássicos interpretados alegoricamente, num momento em que o Cristianismo já se encontrava assentado, mas os elementos do mundo clássico ainda eram valorizados culturalmente e serviam de base para a formação das gerações que se seguiam. Nas Mitologias fulgencianas, para o confronto entre duas realidades ainda em convivência: a pagã e a cristã, a comparação –– em emergência como figura retórica –– se torna um expediente por excelência a esse autor já do período cristão, que escreve para interpretar o conteúdo mitológico pagão, enquadrando-o a sua nova realidade. Palavras-chave: Mitologia clássica; Cristianismo; Fulgêncio; Comparação. Abstract: Based on Quintilian's considerations (inst. 8,3,1) on the rhetorical nature of ornament figures and their relation to their usefulness, this text discusses the uses of comparative structures and related rhetorical resources in an late antique mythographer who lived between the middle of the 5th century and the middle of the 6th century and is called Fabius Planciadis Fulgentius, especially in his work Mythologiarum libri tres (or Mythologiae), which is a kind of compilation of classic myths interpreted allegorically, at a time when Christianity was already settled, but the elements of the classical world were still culturally valued and served as a basis for the formation of the generations that followed. In the Fulgentian mythologies, for the confrontation between two realities still coexisting (the pagan and the Christian worlds), the comparison – in emergence as a rhetorical figure – becomes an expedient par excellence to this author already from the Christian period, who writes to interpret the pagan mythological content, framing it to its new reality. Keywords: Classical mythology; Christianity; Fulgentius; Comparation.