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NT 81 DISET - Por uma Agência Nacional de Prevenção e Investigação de Acidentes de Transportes
Author(s) -
Ana Flávia Silva de Paula,
Erivelton Pires Guedes,
Paulo Cesar Ferreira,
Bruno Portes Costa de Castro,
Luciana Freitas de Andrade,
Luiza de Alencar Dusi
Publication year - 2021
Publication title -
notas técnicas
Language(s) - Portuguese
Resource type - Journals
eISSN - 2236-7640
pISSN - 0101-9201
DOI - 10.38116/ntdiset81
Subject(s) - humanities , political science , art
Em 2019, cerca de 1,3 milhão de pessoas perderam suas vidas nas estradas, e 50 milhões de pessoas ficaram feridas – e essa é uma situação recorrente há vários anos.1 O risco de morrer em um acidente de trânsito é muito maior para os usuários vulneráveis – pedestres, ciclistas e motociclistas – do que para ocupantes do carro (WHO, 2018). No Brasil, os sinistros de trânsito mantêm-se como um grande problema social. Em 2017, morreram 38.651 pessoas em decorrência dos acidentes, o que coloca o nosso país em terceiro lugar no ranking mundial de mortes em acidentes de trânsito (WHO, 2018).Em termos econômicos, o Ipea estimou em cerca de R$ 60 bilhões o custo dos acidentes no país em 2014 (Ipea, 2015). Estudos mais recentes, no entanto, apontam valores ainda maiores. Ferreira (2020) estimou, para o período 2007- 2018, em R$ 1,584 trilhão – ou uma média de R$ 130 bilhões ao ano – os custos dos acidentes no Brasil. Esses custos se dividem entre custos aos cofres públicos e privados. São custos crescentes que impactam os serviços de saúde e deterioram as finanças públicas.Globalmente, as lesões causadas pelo trânsito são, sem dúvida, um grande problema de saúde pública (Belin, Tillgren e Vedung, 2012), entretanto não têm recebido atenção suficiente por parte do governo. Apesar dos grandes custos sociais e econômicos, a quantidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento de segurança no trânsito é pequena em comparação com outros tipos de perda de saúde (WHO, 2004).Nos últimos dez anos, houve um esforço global para colocar a segurança do trânsito no centro do debate, com a adesão de diversos países à chamada Década de Ação pela Segurança Viária (2011-2020), cujo objetivo era reduzir em 50% as taxas de mortalidade no trânsito. O Brasil, um dos países signatários, se propôs a adotar uma série de políticas e medidas, como campanhas para prevenção de acidentes, redução dos limites de velocidade, melhorias de infraestrutura etc. Concretamente, entretanto, poucos foram os esforços para alcançar esse objetivo. Em um deles, o governo federal lançou, em 2011, a campanha do Pacto Nacional pela Redução de Acidentes (Parada), com a finalidade de promover ações de conscientização sobre a segurança no trânsito. Esse pacto tinha como meta reduzir em, no mínimo, 50% o número de vítimas no trânsito até 2020.Embora seja observável uma tendência decrescente das mortes por acidentes em algumas capitais nesse período, como é o caso de Aracaju, Porto Velho, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Maceió, que reduziram em mais de 40%, quando olhamos em escala nacional, vemos que o país ainda anda a passos muito lentos. Além disso, há fatores externos que podem estar atrelados a essa redução, como a menor circulação de veículos nesse mesmo período, em decorrência da crise econômica vivenciada no país.Segundo o Observatório Nacional de Segurança Viária, 90% dos acidentes ocorrem por falhas humanas. Essa constatação parte da visão tradicional de segurança do trânsito, que atribui ao indivíduo todo o ônus dos acidentes, o que leva às medidas de segurança no trânsito se concentrarem na adaptação do indivíduo ao sistema de transporte rodoviário, em vez de adaptar o sistema de transporte rodoviário ao indivíduo e suas limitações (Belin, Tillgren e Vedung, 2012).Uma inovação consiste na política de Visão Zero, originada nos anos 1990 na Suécia. Essa política tem como objetivo de longo prazo para a segurança no transporte prevenir que ninguém morra ou machuque-se permanentemente em acidentes de transporte (Elvik, 2009). Tal ideia inova ao ampliar a responsabilidade atribuída aos usuários das vias, que passam a demandar de servidores públicos e políticos eleitos melhorias na segurança viária (McAndrews, 2013).Esse deslocamento do centro do problema – que deixa de ser visto como individual e passa a ser tratado como algo sistêmico e coletivo – permite um redirecionamento das políticas de prevenção, de modo que os formuladores de políticas públicas, as instituições do sistema de transporte e os responsáveis pelo desenho das vias se tornam atores fundamentais para a redução das mortes e lesões graves no trânsito.Partindo dessa nova abordagem, segue-se a necessidade de construir uma capacidade pública interdisciplinar, a fim de se desenhar, implementar e avaliar políticas de prevenção de acidentes no Brasil. As políticas para a prevenção de acidentes de trânsito precisam ser baseadas em dados e informações objetivas para que se tornem eficazes.