
Novos Pensamentos & Reflexões Emergentes
Author(s) -
Sérgio Nesteriuk,
Welby Ings
Publication year - 2018
Publication title -
datjournal
Language(s) - Portuguese
Resource type - Journals
ISSN - 2526-1789
DOI - 10.29147/dat.v3i2.99
Subject(s) - humanities , philosophy
Esta edição especial do DAT Journal considera o pensamento do Sul. Ela parte da seguinte indagação: “No lugar em que a prática é constituída como investigação, como seriam as vozes do Sul na pesquisa em Arte e Design?” Em 2009, Raewyn Connell publicou um livro chamado Southern Theory (Teoria do Sul). Respondendo às crescentes preocupações sobre a maneira pela qual o Norte Global domina o modo como o discurso é moldado e disseminado, a autora questiona a validade de representar o conhecimento global a partir de uma perspectiva essencialmente cosmopolita. A crítica de Connell desafiou as percepções de que o Sul Global era periférico. Mas, afinal, o que é esse tal Sul Global e como isso afeta o conhecimento? Srinivas Aravamundan argumenta que Norte e Sul são “ontologias relacionais e dialéticas, e não absolutas”1 , e Anthony Gardner sugere que o processo de construção de conhecimento do Sul é essencialmente “um modo de questionamento (...) tanto analítico quanto catalítico.”2 Certamente, poucos pesquisadores entendem a ideia do Sul meramente como uma localização geográfica. De fato, se assim fosse, então “Sul” seria um equívoco, porque muitas das populações indígenas no hemisfério sul se veem no centro do mundo em que vivem.3 Dito isto, é preciso considerar que certas populações consideradas “do Sul” têm características distintas. Além dos processos de negociação da descolonização, países como a Nova Zelândia e muitas nações do Pacífico têm tradições acadêmicas que enfrentam desafios históricos e contínuos, incluindo o triunfo do individualismo sobre a responsabilidade coletiva, a revogação do respeito pelo conhecimento e influência ancestrais, a remoção das dimensões genealógicas e cosmológicas da terra, a marginalização do conhecimento metafísico e a supremacia da cultura escrita diante da literacia oral e pictórica. No Brasil, os desafios assumem uma forma ligeiramente diferente. Acadêmicos confrontam uma tradição de erudição enraizada sob o signo da distinção social, da negligência das culturas que constituem a identidade da nação (especialmente das populações Indígenas e Africanas), da ruptura entre uma “visão utilitarista da prática” deslocada de um “caminho teórico reflexivo” - e vice-versa, e da incapacidade de estabelecer um pensamento verdadeiramente interdisciplinar. Assim, dadas tais circunstâncias, consideramos útil examinar como os doutorandos não apenas posicionam a prática como pesquisa no Sul, mas também como navegam em seus parâmetros e linhas de força. Ao organizar esta edição especial do DAT, pedimos a 13 doutorandos no Brasil e na Nova Zelândia que considerassem essas questões em relação à sua prática atual. A maioria dos autores está vinculada a duas universidades: Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo, Brasil e Auckland University of Technology, em Auckland, Nova Zelândia. Ao escrever esses artigos, estes doutorandos assumiram a posição de primeiro autor e, apoiados por seus orientadores, consideraram a questão da investigação conduzida pela prática (practice-led) em relação a seus próprios projetos de pesquisa. A diversidade de pensamento disponível nesta edição é extraordinária. Robert Pouwhare e John Vea discutem como as metodologias de pesquisa na Nova Zelândia e no Pacífico podem criar reformulações ideológicas fundamentais dentro da academia. O trabalho desafia os paradigmas do Norte porque se baseia em conhecimentos e valores epistemológicos indígenas complexos e distintos. Com uma abordagem complementar, Derek Ventling considera um framework para uma abordagem heurística destinada a investigação conduzida pela prática (practice-led) trabalhando com certos conhecimentos metafísicos ocidentais. Continuando essa ruptura, tanto a pesquisa de Marcos Steagall quanto a de Rumen Rachev desafiam as ideias fundamentais dentro do academicismo. Rachev explora metodologias fluidas para “desfazer” o trabalho intelectual de um doutorando, desestabilizando as convenções emergentes em torno da pesquisa conduzida pela prática (practice-led). Steagall postula uma dimensão espiritual como extensão do conhecimento incorporado na prática fotográfica. Cristiane de Alcântara e Jackson Marinho instigam reflexões sobre questões atinentes a forma, conteúdo e função em territórios fronteiriços entre Arte e Design. Alcântara propõe o livro do artista como uma sequência de espaços em que um processo permanentemente em andamento pode ser estabelecido enquanto lócus de posicionamento do autor. Marinho usa tecnologias de código aberto para um “faça você mesmo”. Sua pesquisa resulta em um dispositivo audiovisual interativo não convencional que permite a mistura de parâmetros de sons e imagens por meio do processo de tocar uma tigela de metal. Desafios para os modos de prática também formam as principais preocupações dos artigos de Olivia Webb, Emily Ohara e Rodrigo Freire. Webb explora o papel da escuta e da harmonia na prática artística que envolve participantes e diversas comunidades. Ohara discute como os processos de elaboração do luto podem funcionar enquanto base para a expressão conduzida pela prática (practice-led). Freire explora a aplicabilidade de projetos de Design Aberto (Open Design) no campo da arquitetura e design urbano em países em desenvolvimento. Neste estudo, Freire considera questões como replicação, personalização, otimização e viabilidade econômica. Ao abordar questões de acessibilidade, Lima Junior desenvolve um método de ensino e aprendizagem para praticantes videntes, cegos ou com deficiência visual, por meio da incorporação de estímulos sensório-motores. Desta forma, estes estímulos são projetados para aumentar a conscientização dos recursos possíveis e necessários para o desenvolvimento de coleções de design de moda. No que diz respeito às interfaces entre o significado e as tecnologias emergentes, tanto Tatiana Tavares quanto Leonardo Lima recorrem ao posicionamento cultural para explorar abordagens poéticas e teóricas sobre a construção de significados como reflexão artística e articulada sobre a prática ao se envolverem com artefatos digitais interativos. Todos esses pesquisadores potencializam parâmetros para ativar formas distintas em que a prática pode recorrer ao conhecimento. Eles se baseiam em posições culturais, geográficas e ideológicas moldadas por seu pertencimento ao Sul. Assim, ao oferecer essas considerações de pesquisa conduzida pela prática (practice-led), propomos que aprendamos “a partir de” ao invés de “sobre” o processo de construção de conhecimento emergente que gera conhecimento além das ênfases do Norte Global. Esta edição especial propõe tanto convergências quanto divergências com o pensamento estabelecido. Ela emana do reconhecimento de que as “histórias peculiares que geram práticas sociais e artísticas formam encontros dialógicos com vozes nas periferias da autoridade e fazem um loop de um processo iterativo para gerar seus próprios alicerces teóricos”. 4 Ao fazer isso, esta edição especial do DAT Journal oferece uma coleção de vozes distintas que falam a partir e para dentro de um mundo renegociador. Essas vozes questionam, através da prática, as ideias de Connell de um Norte Global tradicionalmente puro e autoritário, mas também reafirmam a natureza da pesquisa conduzida pela prática (practice-led) em Arte e Design como algo responsável e culturalmente constituído. A este respeito, recordamos um famoso whakataukī (provérbio Maori) que diz:
Ehara ta tangata kai, ele kai tītongi kau; engari mahi ai ia ki te whenua; tino kai, tino mākona.
A comida fornecida por outra pessoa é apenas comida para ser mastigada; a comida produzida pelo próprio trabalho na terra é boa e satisfatória.