“A humanidade múltipla e suas trocas” Entrevista com René Schérer

René Schérer é um pensador de grande expressão, extremamente singular em sua trajetória filosófica e militante. Com ele, o cultivo esmerado do conhecimento é indissociável não só de um ativismo libertário, mas de uma atitude existencial genuína de abertura aos problemas do mundo e à presença do outro.Participou da fundação do Departamento de Filosofia da Universidade de Paris 8, onde ensinou ao lado Michel Foucault, Gilles Deleuze, Jean-François Lyotard, entre outros, e de François Châtelet, de quem era particularmente próximo. Situada inicialmente em Vincennes e hoje em Saint-Denis, Paris 8 constituiu-se como grande centro de experimentação de novas práticas de construção de conhecimento e estrutura universitária, em seguida aos acontecimentos de Maio de 68. Esses tempos de contestação radical não perderam nada de seu brilho, creio, até hoje, na obra e na vida de René Schérer.Continua presente no Departamento de Filosofia, onde é Professor Emérito. Escreve textos de grande envergadura, precisos, inspiradores e comprometidos com o contemporâneo. Recebe com hospitalidade — que ele não somente teorizou, mas exerce em seu dia a dia — alunos e amigos que o admiram por tudo isto, estudam seu pensamento e procuram a sua companhia.É coeditor da revista Chimères , fundada por Deleuze e Guattari. Seu livro Regards sur Deleuze é, de fato, tão “fulgurante” quanto esse pensamento que descreve, centelhas de um grande encontro e homenagem filosófica. Escreveu sobre a infância, produzindo uma crítica à pedagogia, sobre a hospitalidade, a comunicação, a homossexualidade, a utopia, o nomadismo, fazendo-os temas de sua filosofia. É grande estudioso de Husserl e um dos mais importantes especialistas em Charles Fourier, pensador associado ao socialismo utópico e ecologista avant la lettre , um “sonhador de mundos”, um “inventor”, como escreve René Schérer,O título de um livro em homenagem a René, organizado por Bruno Cany e Yolande Robveille, traz uma frase muito precisa para descrevê-lo: “a fala hospitaleira” (“ la parole hospitalière ”). Basta ler seus escritos que, de fato, também evocam a fluência da fala, ou conhecê-lo, para constatar essa acolhida do filósofo generoso que faz da amizade filosófica um modo de vida e da fala, uma forma de ensinar e aprender filosofia e transformar o mundo.Aqui, nesta entrevista, muito nos beneficiamos, leitores, dessa acolhida especial, única, de René Schérer, de sua fala aberta a outrem. Verão como a entrevista que concede à nossa revista vai se construindo, em virtude justamente dessa sua generosidade, numa correspondência, numa relação epistolar que mantém comigo.René também é grande colorista e observador das cidades, e nos cedeu desenhos seus para nossa capa e para ilustrarmos o texto da entrevista. Esta se desenvolve em três movimentos: Comunicação, Hospitalidade e Viagens. No final, acrescentei uma pequena bibliografia selecionada de suas obras.