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As análises da hereditariedade da inteligência: ciência ou numerologia?
Author(s) -
David Lazer
Publication year - 2014
Publication title -
psicologia
Language(s) - Portuguese
Resource type - Journals
SCImago Journal Rank - 0.142
H-Index - 2
eISSN - 2183-2471
pISSN - 0874-2049
DOI - 10.17575/rpsicol.v1i1.956
Subject(s) - humanities , psychology , philosophy , physics
Os cálculos da hereditariedade do Q.I. estão sujeitos a uma quantidade de erros sistemáticos. Os próprios índices de Q.I. contêm erros sistemáticos incontroláveis, de grandeza desconhecida, que derivam do facto de estas medidas, ao contrário das medidas físicas e biológicas, terem uma definição puramente instrumental. Os efeitos destes erros estão patentes nas enormes discrepâncias entre as correlações do Q.I. medidas por diferentes investigadores. As correlações genótipo-ambiente, cujos efeitos podem por vezes ser minimizados, ou até totalmente eliminados, em experiências com plantas e animais, são quase sempre importantes nas populações humanas. A ausência de efeitos significativos oriundos das correlações genótipo-ambiente é uma condição necessária para a aplicabilidade da análise convencional da hereditariedade a características comportamentais fenotipicamente plásticas. Se este requisito não for respeitado, não é possível extrair nenhuma inferência quantitativa acerca da hereditariedade, a partir das variâncias e covariâncias fenotípicas medidas, excepto em condições especiais que estão longe de ser satisfeitas pelas características fenotipicamente plásticas, nas populações humanas. A compreensão inadequada dos factores ambientais exactamente relevantes para o desenvolvimento de características comportamentais específicas é uma importante fonte de erros sistemáticos, tal como o é a incapacidade de dar adequadamente conta dos efeitos dos acasalamentos não-aleatórios e da interacção gene-gene. As diferenças culturais sistemáticas e as diferenças nos ambientes psicológicos, em diferentes grupos rácicos e socio-económicos, viciam qualquer tentativa de extrair conclusões significativas acerca das diferenças genéticas a partir dos dados do Q.I.. As estimativas baseadas nas correlações fenotípicas entre gémeos monozigóticos separados – que costumam ser consideradas o tipo mais seguro de cálculo – encontram-se viciadas por erros sistemáticos inerentes aos testes de inteligência, por erros devidos à presença de uma correlação genótipo-ambiente, e pela ausência de informações que permitam uma compreensão pormenorizada dos factores ambientais importantes para o desenvolvimento das características comportamentais. Outros tipos de estimativas estão cercados de erros sistemáticos derivados da ignorância dos efeitos dos acasalamentos não-aleatórios e das interacções gene-gene. Os únicos dados potencialmente úteis são as correlações entre crianças adoptadas e sem parentesco biológico, educadas em conjunto que em princípio nos dariam os limites inferiores para a2. Os dados disponíveis indicam que para essas crianças h2 se situaria entre 0.0 e 0.5. Esta estimativa não se aplica a populações compostas por crianças educadas pelos seus progenitores biológicos ou por parentes próximos. Em relação a essas populações, a hereditariedade do Q.I. permanece indefinida. Os únicos dados que poderiam proporcionar uma estimativa significativa da hereditariedade estrita são as correlações entre semi-irmãos educados em ambientes estatisticamente independentes. Mas não dispomos de dados deste tipo. Estudos de intervenções como o Milwankee Project de Heber, proporcionam uma via alternativa (e comparativamente directa) para avaliar a plasticidade das características cognitivas (e outras características comportamentais) das populações humanas. Os resultados obtidos até à data sugerem fortemente que o desenvolvimento das capacidades cognitivas é altamente sensível às variações dos factores ambientais. Estas conclusões têm três implicações óbvias para os amplos problemas referidos no início deste artigo: 1) As análises dos dados do Q.I. publicadas não proporcionam um suporte para as teses de Jensen de que as desigualdades nas capacidades cognitivas se devem amplamente às diferenças de ordem genética. Tal como Lewontin (1970, 1973) demonstrou claramente, o valor da hereditariedade geral do Q.I. é, em qualquer caso, apenas marginalmente relevante para essa questão. Argumentei que as estimativas convencionais da hereditariedade geral do Q.I. não são válidas e que os únicos dados em que estimativas potencialmente válidas se poderiam basear apontam para uma hereditariedade inferior a 0.5. Por outro lado, os estudos de intervenção (caso os seus resultados sejam reproduzíveis) demonstrariam que, em condições favoráveis, os filhos de pais cujas capacidades cognitivas são tão baixas que os excluem da maioria das profissões médias, podem atingir níveis de eficiência intelectual que são considerados indubitavelmente altos. Portanto, apesar do facto de as crianças diferirem substancialmente nas suas aptidões e apetências intelectuais, apesar da elevada probabilidade dessas diferenças terem uma componente genética substancial, as provas científicas de que dispomos sugerem veementemente que são os factores ambientais os responsáveis pela incapacidade das crianças, que não sofrem de desorganizações neurológicas específicas, em atingirem níveis de eficiência cognitiva adequados. 2) Nas condições sociais predominantes, não é possível estabelecer nenhuma inferência válida acerca dos dados do Q.I., no que toca às diferenças rácicas e sócio-económicas sistemáticas. A investigação nesta área, é feita com este objectivo específico – independentemente do seu estatuto ético – é inútil do ponto de vista científico. 3) Na medida em que não dispomos de dados adequados para calcular a hereditariedade estrita do Q.I., parece falho de sentido especular acerca de uma meritocracia hereditária baseada no Q.I..

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