
Literatura e política na Argentina: a memória como construção em "Ezeiza", de Fabián Casas, e uma proposta para a contemporaneidade
Author(s) -
Tainá Cristina Costa Lopes
Publication year - 2020
Publication title -
revista entrecaminos
Language(s) - Portuguese
Resource type - Journals
ISSN - 2447-9748
DOI - 10.11606/issn.2447-9748.v4i1p96-106
Subject(s) - humanities , political science , art , philosophy
O texto literário não é somente ficção, pois capta sempre algo do social; trata-se de uma prática discursiva inserida em outras práticas, impregnada de vozes e memórias, e, por isso, é sempre contaminada pelo ideológico, pelo político, pelo histórico. Essas relações foram teorizadas por Ricardo Piglia, segundo o qual, é típico, na tradição literária argentina, tematizar o confronto entre duas vozes, com suas narrativas: a do povo e a do Estado, cujo objetivo é fazer crer em certa versão da história e justificar suas atitudes opressoras. Porém, às ficções estatais se contrapõem outras narrativas, nas quais o autor nem sempre aborda o que viu ou viveu; muitas vezes ele é o porta-voz dos relatos do povo, que circulam e se chocam com as versões oficiais, como versões possíveis cujo objetivo é não deixar que a história se apague, construindo uma memória. Esse é o caso da narrativa presente no poema “Ezeiza”, de Fabián Casas, que remete ao “massacre de Ezeiza’, ocorrido em 1973, no aeroporto de mesmo nome. O texto foi analisado por Martín Kohan em uma aula magistral e é justamente essa análise que tomo como ponto de partida e ouso am- pliar, em uma discussão sobre literatura, política e memória como processo discursivo performativo e literário, considerando que a memória construída pelo eu lírico sobre o incidente que dá nome ao poema acontece a partir do que ele viveu enquanto espectador distante, e dos relatos que ouviu de quem esteve efetivamente no massacre. Ainda assim, a memória postulada em Ezeiza é política, como uma continuação da poesia política, mas por outros meios. Considerando que, em geral, a inscrição da política na literatura se dá a partir dos registros históricos, da memória e da disputa de narrativas, Piglia, em texto de 2001, no qual apresenta três propostas para a literatura no novo milênio, questiona-se acerca de seu futuro e de sua função. Logo, a título de conclusão, apresento a minha própria perspectiva para a literatura e sua relevância na contemporaneidade, baseando-me na seguinte citação de Calvino: “minha fé no porvir da literatura consiste em saber que há coisas que só a literatura com seus meios específicos pode brindar".