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PREÂMBULO Tenho uma vida bastante tediosa, ou melhor, tinha. Preso a um espaço – um cubo – de pouco mais de trinta centímetros quadrados, com um spot direcionado ao centro desse mesmo espaço, protegido por um espesso vidro temperado a prova de força e som, me habituei a assistir os que dirigem o olhar a mim. Interpreto as expressões porque, como disse há pouco, a vitrine que me blinda é a prova de ruídos, o que quer dizer que, na prática, não ouço nada, por isso desenvolvi minha capacidade de leitura labial. Em geral, não costumo receber muita atenção, fico em uma sala desprivilegiada, 304–B, ala direita. Enquanto os visitantes do Louvre fazem fila para conhecer pessoalmente a Monalisa, estou habituado a ser observado por uma duração que gira em torno de dois segundos e meio, tempo médio que cada visitante do Museu Histórico e Geográfico da Filadélfia deposita no exercício de observação sobre mim. Não posso dizer que me ofenda, tenho plena ciência de que não fui concebido como uma estátua ou uma tela e sei que nos museus os visitantes em geral despendem demasiado tempo em obras de arte, negligenciando meros objetos cotidianos, que só foram parar nas prateleiras como modo de provar a existência de sociedades remotas. Às vezes penso que sou isso: uma espécie de retrato ou de fotografia, um pedaço de barro que sobreviveu aos séculos só para garantir aos contemporâneos que a dinastia Lovtschajik, de fato, existiu. Tanto existiu que fui utilizado diversas vezes: testemunhei banquetes fartíssimos, orgias memoráveis, debates políticos e cerimônias de consagração. Fui bastante fiel ao lar que habitei no século XIII a.C. (acho curioso ter que especificar a sigla antes de Cristo, não me lembro de Cristo ter existido no tempo em que estive, não ocupamos a mesma região geográfica, por que preciso me referir a ele para inferir a minha idade?). Sobrevivi às mãos de criados insolentes e raivosos, beijei os lábios de belas senhoras após noites voluptuosas repletas de luxúria. Esse sim era um tempo em que acontecia muita coisa. Nunca parei dentro de um armário, fui permanentemente requisitado e, confesso, gostava daquela vida movimentada. Perdoem o entusiasmo, voltando a minha genealogia, não sei se me apresentei de maneira adequada, tenho a impressão de ter esquecido de mencionar a minha nacionalidade: sou natural da Bulgária, país pouquíssimo conhecido, relegado a um pequeno território sem grande protagonismo na Europa – não temos uma economia ímpar, não parimos escritores célebres, não temos paisagens fora do normal, não nos destacamos, sejamos francos, de nossa vizinhança. Não me ressinto de ser sincero, mas a verdade é que a Bulgária jamais interessou ao resto do mundo. Falamos búlgaro, um sinal de que também não temos a menor pretensão de sermos compreendidos além fronteira. Os búlgaros engatam conversa em búlgaro e é o suficiente, é o que importa, não fazemos muita questão de sermos entendidos por aqueles que não são como nós. Por instantes penso que tenho uma única função

CONFISSÕES DE UM PÚCARO BÚLGARO