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This paper is an extract of a PhD dissertation that discussed daily language practices of four inhabitants of Alter do Chão village, a touristic village situated in Western Pará, Brazil. We address how language is used and appropriated by the participants who live in the village, a multilingual and multicultural scenario, but where the Portuguese language holds the status of official language. As a study within Applied Linguistics, it depicts, through ethnography, how the four participants constitute themselves through locally situated discourses in relation to their multilingual interactions, negotiating and making meaning in specific communications. The data analysis, generated mainly through participant observation, interviews and informal talks, points to how the participants use all their linguistic and semiotic resources in order to carry on an effective communication, merging languages and highlighting creativity and protagonism. KEYWORDS: Multilingualism. Ethnography. Situated language practices. Linguistic resources. Translanguaging.  * Doutora em Letras (UFRGS). Membro do Programa de Pós-Graduação em Lingüística (UFSC). ORCID: 1-7579-5758. E-mail: lucena.inez(AT)gmail.com ** Doutora em Inglês – Estudos Linguísticos (UFSC). Docente do Instituto de Ciências da Educação (UFOPA). ORCID: 0000-0002-4299-2867. E-mail: silvia.crisbarros(AT)gmail.com 1 Os dados deste artigo derivam de uma tese de doutorado, originariamente intitulada I speak English but I am still me: the roles of English in Alter do Chão, Brazil, defendida na Universidade Federal de Santa Catarina em dezembro de 2016, por SOUZA (2016). Maria I. P. Lucena, Silvia C. B. de S. Hall | p. 344-360 | Protagonismo local e crítico no translinguajar... Letras & Letras | Uberlândia | v. 35 | n. especial | 2019 ISSN 1981-5239 2 1 Introdução Vivemos uma nova ordem mundial, que permite que pessoas de qualquer parte do mundo troquem ou sigam informações a qualquer hora, instantaneamente, através da TV, da internet, de celulares e de outras mídias digitais. Neste mundo globalizado, em que o uso da comunicação digital proporciona a mobilidade de pessoas, em uma velocidade de tempo e espaço jamais vista na história, fronteiras linguísticas tornam-se mais e mais fluidas, favorecendo a mistura de línguas (MOITA LOPES, 2013; GARCÍA, 2009). Neste artigo, apresentamos singularidades nos usos linguísticos em um contexto cuja mobilidade é bastante evidente, seja pelos atrativos de uma região considerada paradisíaca, seja pela facilidade que seus moradores têm em se comunicar com a aldeia global. A etnografia, perspectiva teórico-metodológica utilizada neste estudo, possibilita-nos explorar formas de comunicação que acontecem naquele espaço multilíngue e multicultural, cuja mobilidade sociolinguística é acentuada graças ao apelo turístico da pequena Alter do Chão. A vila balneária, assim chamada homonimamente à cidade portuguesa como uma homenagem a esta última, está localizada à margem do Rio Tapajós, no oeste do Pará, no norte do Brasil. Neste artigo, a partir do contexto social macro, discutimos as especificidades da vila enquanto o campo micro da pesquisa. O foco é voltado para quatro participantes, chamadas aqui de Remédios, Pilar, Úrsula e Fernanda, moradoras que constroem suas vidas a partir do cotidiano cultural e linguisticamente diverso de Alter do Chão. As quatro mulheres nasceram e se criaram na vila e, desde pequenas, têm sua vida entrelaçada com o turismo. Remédios trabalhava na loja de doces regionais da família e, quando criança, ajudava na recepção de turistas estrangeiros na residência da avó paterna. Quando questionada sobre práticas linguísticas, Remédios afirma, em língua inglesa, que ela não fala inglês, mas entende aquela língua (“I don’t speak English, I understand”), e que aprendeu com os gringos que ela conhece na praça do centrinho da vila, falando com eles, “misturando tudo”. Pilar é guia de turismo, além de militante das causas indígenas, e seu envolvimento com os movimentos sociais faz com que ela entre em contato com estrangeiros, a quem ela gosta de explicar “com o olhar de quem vive aqui”, como é viver na Amazônia, em meio a tanta beleza, mas também em meio a conflitos. Maria I. P. Lucena, Silvia C. B. de S. Hall | p. 344-360 | Protagonismo local e crítico no translinguajar... Letras & Letras | Uberlândia | v. 35 | n. especial | 2019 ISSN 1981-5239 3 Úrsula é dona de uma agência de turismo em Alter do Chão, que, segundo ela, conseguiu montar com o dinheiro que trouxe de três temporadas trabalhando em restaurantes na Inglaterra. Ela garante que, por causa desta experiência, sente-se à vontade para falar inglês, não se preocupando com possíveis desvios de normas gramaticais. Por último, Fernanda, irmã caçula de Pilar, apaixonada por literatura estrangeira, principalmente pelos livros de Harry Potter, gosta de frequentar teatros e museus, costume que adquiriu visitando o noivo na Noruega. Neste artigo, objetivamos mostrar como essas mulheres utilizam seu repertório linguístico para viverem suas vidas, posicionando-se, negociando a comunicação e construindo significados situados em comunicações específicas e emergenciais. Assim, focamos no modo como a linguagem é usada pelas participantes em momentos em que elas se adaptam a situações sociolinguísticas globais e locais, buscando fazer com que todos os integrantes façam sentido de seu mundo, durante suas interações. Sendo o inglês tomado como “a língua universal” e aquela que as participantes entendem que deve ser a mais facilmente compartilhada naquele espaço, destacamos interações em que Remédios, Pilar, Úrsula e Fernanda e seus interlocutores fazem usos de todos os recursos linguísticos para dar conta da comunicação efetiva. Entendendo que falantes bilíngues usam seus recursos linguísticos e semióticos sem se preocupar com fronteiras rígidas entre línguas, importa trazermos aqui o conceito de repertório linguístico e de translinguagem (GARCÍA, 2009; GARCÍA; WEI, 2014; CANAGARAJAH, 2013) para entender os usos situados da linguagem em Alter do Chão. Conforme Blommaert e Backus explicam, a partir de Gumperz e Hymes, a ideia de ‘repertório’ nos permite entender o uso da “totalidade de recursos linguísticos [...] disponíveis aos membros de uma comunidade em particular”2 (GUMPERZ; HYMES, 1972, p. 20-21 apud BLOMMAERT; BACKUS, 2012, p. 11). Diferentemente de comunidade de fala, a expressão “comunidade em particular” enfatiza a diversidade de padrões de uso da linguagem formados a partir do acesso aos recursos linguísticos e semióticos de grupos que compartilham normas próprias. Nesse sentido, o conceito de “repertório” é utilizado aqui, na perspectiva do multilinguismo, para definir os recursos linguísticos e semióticos que estão 2 Ressaltamos que a expressão “comunidade em particular” não está relacionada com o conceito “comunidade de fala”, ainda que o termo tenha sido vinculado originalmente a ele. Maria I. P. Lucena, Silvia C. B. de S. Hall | p. 344-360 | Protagonismo local e crítico no translinguajar... Letras & Letras | Uberlândia | v. 35 | n. especial | 2019 ISSN 1981-5239 4 disponíveis na comunicação desses grupos, sem que eles precisem ser diretamente relacionados a uma língua ou comunidade específica (CARDOSO, 2015). Nesta perspectiva multilíngue, com base em García (2009), Canagarajah (2013) e García e Wei (2014) entendemos que a perspectiva de transliguagem evidencia a habilidade dos falantes bilíngues de potencializarem todo o seu repertório linguístico-semiótico no processo de construção de sentidos e também de transformar seu repertório nesse processo (GARCÍA; WEI (2014). Essa potencialização, ou possibilidade de uso de todos os recursos linguísticos na construção de sentidos, é importante por desenvolver uma consciência crítica. Diferentemente de simplesmente alternar códigos, os falantes, ao translinguajarem, não somente alternam as línguas (socialmente nomeadas), eles expressam suas intenções comunicativas, sendo que a comunicação se concretiza pela compreensão que eles têm acerca da importância da ação social que está sendo realizada (GARCÍA, 2009). Entendemos, portanto, que as línguas não estão separadas por fronteiras rígidas, mas, ao contrário, complementam-se na comunicação, de maneira fluida e híbrida em suas formas. Assim, a influência de uma língua sobre outra pode ser criativa, empoderadora e oportunizar o fortalecimento da identidade bilíngue (GARCÍA, 2009). Ou seja, a perspectiva da translinguagem argumenta em favor de um sistema linguístico unitário, no qual as estruturas e o léxico ocupam um terreno sem fronteiras (OTHEGUY; GARCIA; REID, 2018). Os dados dos quais resulta este artigo foram gerados durante dez meses na pequena Alter do Chão, especialmente para a pesquisa de doutorado de SOUZA (2016), cujo principal objetivo foi investigar como se davam os usos da linguagem de seis habitantes daquela vila balneária quando diziam estar falando inglês. Seguindo os preceitos da etnografia da linguagem (ERICKSON, 2001; GARCEZ; SCHULZ, 2015), além da participação observante e das entrevistas, a geração de dados incluiu diário de campo, registros e anotações em encontros informais. Assim, “o contexto, formado por realidades políticas, culturais e sociais, [foi] desbravado e (re)conhecido por meio de movimentos colaborativos, divididos e negociados no tempo e espaço da pesquisa” (LUCENA, 2015, p. 79). Na presente discussão, nós nos deteremos nos dados gerados em situações de comunicação em contextos situados, tendo como protagonistas as quatro moradoras acima citadas. Maria I. P. Lucena, Silvia C. B. de S. Hall | p. 344-360 | Protagonismo local e crítico no translinguajar... Letras & Letras | Uberlândia | v. 35 | n. especial | 2019 ISSN 1981-5239 5 Buscamos, na perspectiva da etnografia da linguagem, entender o comportamento das pessoas no contexto natural e dinâmico da pequena vila,

Protagonismo local e crítico no translinguajar de quatro moradoras de Alter do Chão